Toda vez que você clica em alguma coisa acontece uma transação financeira. Sua atenção deliberada, sua decisão pessoal de ler, ouvir ou ver algo gera uma remuneração a alguém como simples prêmio pela captura momentânea da sua atenção. E se esse alguém não é você mesmo, então você não é, na lógica econômica, o proprietário de sua própria atenção. Você é na verdade o produto. Isso não incomodava enquanto não tínhamos alternativas. Não é mais o caso.
Pense em sua vida online como um passeio numa feira turística. A título de clareza, imagine o caso simples e antigo: você chegou pela primeira vez a uma cidade desconhecida e intimidante, e contratou um sujeito como guia turístico. Você quer comprar souvenires e seu guia sabe disso, como também sabe que há N comerciantes vendendo. O que faz o guia? Identifica um comerciante confiável, com um bom produto e preço razoável, e leva todos os seus clientes sempre a ele. O comerciante fica muito satisfeito, e com prazer remunera o guia pela parceria, aumentando seu incentivo a continuá-la a não ser que outro comerciante lhe faça oferta melhor.
Você sabe que o guia provavelmente aufere vantagem econômica em cima da sua compra, mas isso não o incomoda de jeito algum, pelo contrário, pois você também teve vantagem em cima dele: comprou um bom produto por um preço razoável, economizou tempo e eventual desgaste, não correu riscos a perder de vista. Tecnicamente, ocorreu uma transação de compra e venda entre você e o guia, lucrativa a ambos. O produto que o guia lhe vendeu chama-se informação assimétrica.
Por muitos séculos, o turismo funcionou assim, e não só ele mas como qualquer industria com assimetrias de informação. Com a internet, globalização e planificação do mundo, as assimetrias diminuíram bastante, obrigando quem quer vendê-las a ter muita eficiência. De fato, isso hoje é feito de forma tão eficiente que temos a sensação que as informações são gratuitas, o que por um lado não deixa de ser verdade. Por outro, porém, sabemos do velho ditado de que não existe almoço grátis, e sabemos ainda que empresas como o Google tornaram-se multi-bilionárias nos fornecendo um serviço gratuito de informação, operando, em essência, tal como o guia que nada cobra de turistas (de forma a atrair mais turistas) mas que cobra boa comissão dos comerciantes.
Pense agora numa hipótese maluca. Você e todos os outros turistas do planeta (os navegantes online) se reuniram, e acordaram um ultimato que inverte o jogo: exigem ser remunerados pelos guias! Sabendo que em última instância é sua decisão quem move toda a economia, e gera rendimentos enormes aos guias pagos pelos comerciantes, vocês querem um pedaço ou simplesmente não se movem. Se os guias responderem a altura e não cederem, ninguém se move, e todos perdem. Isso não durará muito tempo.
Aí entra a tecnologia. Se todos os navegantes online puderem ofertar sua atenção diretamente a todos os comerciantes, sem a necessidade de atravessador, esses certamente pagarão por elas, tanto porque ja pagam como porque se não o fizerem perderão vendas para os concorrentes que aderem. E o alcance direto a compra de nossa atenção, eliminando o intermediário, tende a diminuir os custos da “aquisição de clientes” e maximizar interesse das duas partes finais: consumidor final e vendedor final.
Esse é o prognóstico para a publicidade daqui para a frente. Com uma serie de novidades na estrutura da internet, especialmente os chamados blockchains (com seus smart-contracts e estruturas descentralizadas), é inevitável que os anunciantes não mais paguem os geradores de conteúdo que retém a sua atenção, e passem a pagar você mesmo, diretamente. Sim, o Itaú vai lhe pagar para que você assista seus anúncios na Globo (se essa for inteligente o bastante para aproveitar a nova tecnologia e reagir contra Google e Facebook). Quem pagará à Globo, ou ao vlogger, jornal ou qualquer coisa que te entreter será você mesmo.
É o fim da era do conteúdo gratuito e das intromissões ostensivas da propaganda. Que diferença de atitude há entre um aporrinhante comercial de 30 segundos e um ambulante na rua que o segura pelo braço obrigando-o a perder 30 segundos? Somos benevolentes com o primeiro caso somente porque nos isentam de pagar pelo conteúdo. Mas se dispormos de melhores maneiras de atender seu interesse, e ainda assim pagarmos pelo conteúdo, tanto melhor para as duas partes.
As relações econômicas derivadas da sua atenção serão mais transparentes e diretas. Se você solicita ver algo, você paga, se alguém solicita sua atenção você recebe, se quiser atender. O programa de TV passa a ser como um teatro, que vive de ingressos que vender a plateia, ou como Netflix que vive de assinaturas.
Contratos entre publishers (ofertantes de conteúdo desejado) e anunciantes ficarão restritos ao product placement e outros merchants dentro do conteúdo. Esse, por sua vez, precisará ter mais cuidado para não se poluir demais, pois os olhos da audiência ficarão mais afiados, e a tolerância com mensagens desagradáveis menor.
O modelo vai pegar porque melhora a vida das duas partes finais: o consumidor final nao quer se sentir violado, e o anunciante não quer ser inconveniente. A mão invisível do mercado que arrume a solução. Já arrumou.
Bons publicitários fazem anúncios agradáveis de ver. O modelo tradicional os prejudica, pois ser agradável é ser não-invasivo. Continuarão fazendo anúncios criativos, mas os distribuindo de forma que tende a torná-los ainda mais agradáveis.
O modelo Youtube, que nos entrega o video gratuitamente mas empurra aquele anúncio pre-roll compulsório vendido ao anunciante (e só repassa 55% ao dono do vídeo), tem os dias contados e eles sabem disso. Browsers novos como o Brave, que já está no mercado, jogarão fora o anuncio indesejado, melhorando a vida do consumidor.
Conteúdo que hoje não consegue se pagar tende a continuar nessa situação. Conteúdo bom o suficiente, que custa caro para ser feito e sempre foi remunerado, obviamente sempre o será. Mas, senão do consumidor, de uma terceira parte via decisão soberana do consumidor, obedecendo seu poder de barganha. Afinal, é para ele que aquilo é feito, portanto nada mais honesto.
A ideia de pagar pelo que antes era gratuito não incomodará ninguém, pois em um instante o espectador perceberá que no saldo estará igual ou melhor, com mais autonomia. Deixa de ser o produto e passa a ser o agente. As transações serão feitas de forma bem automática, sem qualquer aborrecimento ou trabalho, via smart-contracts.
Quem estiver sem grana, por exemplo adolescentes, autoriza a entrada de anúncios e os assiste de fato, tantos quantos precisar.
Desenvolvem assim uma visão mais lúcida da economia, e do valor de produzir ou poupar.
Em breve, falamos mais sobre onde estamos neste tema.
Bruno Pesca é e-conomista.
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