Aprendendo a procurar problemas

“O que te ensinaram,
O que você aprendeu,
O que interessa ao mundo.
Não são a mesma coisa.”
(Soneto do desempregado )

 

Todo mundo teve um professor da escola que marcou sua vida ou, se não marcou, ao menos entrou na lembrança com bem mais destaque que os outros. É o que dizem. É aquele professor de matemática ou biologia que saiu dos moldes seculares e chatos de sua disciplina e a relacionou com nosso mundo real, ou aquele professor de física que não seguiu o manual e preferiu ensinar sobre a vida. Você deve saber do que estou falando, e deve estar lembrando dele ou dela agora. Dizem também que o importante na vida é importar, ser importante aos outros a nosso redor, de forma positiva. Assim sendo, penso eu, seu referido professor atingiu provavelmente o status máximo do sucesso existencial que um individuo pode chegar, o último nível da realeza espiritual. Aliás, essa é a razão da lenda de que na tradição japonesa o único sujeito que não deve se curvar diante do imperador é o professor.

Meu caso é um pouco diferente. Antes de explicá-lo, preciso descrever a imagem da única professora que me vem a cabeça quando penso nisso hoje. Seu nome é Esther Wojnicicki, e ela é professora de ensino medio em Palo Alto, na California. Acredito que seja a melhor professora do planeta. Não é preciso que o amigo leitor me dê credibilidade aqui, pois em sua lista de ex alunos dizendo a mesma coisa há muita gente já com crédito alto, não só no Silicon Valley mas no mundo.

Ou talvez suas próprias filhas ilustrem melhor. Woj, como é chamada pelos alunos, teve três meninas. Susan, a mais velha, é a CEO do Youtube. Janet é pediatra epidemiologista, uma das maiores autoridades em obesidade infantil da California, e fala dialetos africanos. Seu interesse em saúde infantil a empurrou a um mestrado de Stanford em Estudos Africanos, e a Swazilândia, país que visita frequentemente. Anne, a mais nova, fundou e preside a incrível 23AndMe, aquela empresa que a partir da saliva do cliente mapeia e relata todas as suas condições genéticas, e toda sua árvore genealógica no contexto das sociedades humanas. Curioso com o que elas comiam de café da manhã?

Woj diz sempre que o importante é dar responsabilidades e tarefas as crianças desde cedo. Responsabilidade gera auto-confiança, e resultado, que geram escolhas. É a melhor forma de empoderamento. Empoderar as crianças é também a melhor forma de lhes despertar interesse real em aprender. Tudo que o sistema tradicional de ensino não faz. Sentamos passivamente e assistimos do professor nada além de palestras, criadas para um aluno médio que nem existe. Se assistir alguma coisa nos ensinasse aquilo, seríamos todos nadadores olímpicos, provocava a Woj.

Em seu método, o professor não é um sábio num palco mas sim um guia ao lado. As crianças aprendem fazendo, e estão elas mesmas no controle das salas de aula, se auto-organizando e ajudando, com auxílio dos professores. Assim como na vida real, não existe babá, e a mão invisível da autoridade está nas metas e prazos. E o que elas fazem para aprender? Um jornal e algumas revistas!

Jornalista por formação, Woj usa o ofício como forma de ensinar os quatro “C”s que as escolas deveriam preocupar-se em ensinar: colaboração, comunicação, criatividade e crítica. O conteúdo científico em si, hoje commoditizado pela velocidade do Google, é o próprio conteúdo das pautas. A diferença é que os alunos o aprendem por realmente se envolverem com ele, e por sentirem-se no controle. As revistas tem circulação real em Palo Alto, e se aqui eu as mostrasse o leitor não acreditaria que foram feitas por adolescentes. A propósito, o sistema é auto-suficiente, graças a anunciantes reais. O negócio é 100% gerido pelos alunos, e a qualidade do serviço é o único requisito para aprovação.

Sua escola chama-se Palo Alto Media & Arts Center, ou PalyMAC, e não tem cara de escola. Os alunos amam. O sistema funciona porque empodera o aluno, tradicionalmente passivo e nada autônomo, e empodera o professor, que tradicionalmente obedece a grades rígidas do MEC ou da escola. Stanford conduziu uma pesquisa nos EUA que observou que crianças tipicamente tiram oito em determinada prova e, ao refaze-la um ano depois, não passam de nota três. Haviam apenas decorado, perdido tempo. Mais grave, chegam a vida adulta sem os quatro “C”s.

No PalyMAC não se desperdiça tempo ou intelecto. Alunos não escrevem com a segurança de que somente o professor lerá, por obrigação. Professores não corrigem textos somente porque são obrigados, mas porque o fim exige. Nas palavras de James Franco, ex aluno da Woj e hoje também professor (além de famoso ator e diretor de cinema): “Odeio o fato de ler as provas só porque sou obrigado. Os alunos também não se estimulam assim. Nenhum de nós vive num vácuo, e nosso trabalho também não deveria.” A pressão ante a resposta do mundo real faz toda diferença nas decisões de qualquer pessoa, e também deveria ser assim na vida escolar. Do contrário, pra que estudar as leis da física, que são análogas?

O sistema tradicional de ensino não confia no aluno, se não lhe dá autonomia. E se não confia, como o adolescente se animaria muito? Um reflexo simples: quando o aluno é o responsável pela publicação e surge uma dúvida na matéria, ele vai até a Woj e, após o esclarecimento, agradece. Naturalmente, pois a responsabilidade era dele, e ela o ajudou. Quantas vezes na sua adolescência você agradeceu a professora por uma resposta sobre a matéria? Pouquíssimas, pois fomos treinados a esperar pelas respostas, como um direito.

Os ânimos são bem diferentes das salas de aula convencionais, e a ética de confiança, respeito, independência, colaboração e bondade é realmente assimilada. Basta visitar a escola um dia e comprovar. Tais fatores são exatamente os requisitos que o mundo adulto quer dos recém formados, mas não recebe. Há milhões de desempregados no Brasil, e milhões de vagas abertas que não encontram gente qualificada para os cargos. Pergunte a qualquer empresário.

Pois é, eu jamais estudei em Palo Alto. Conheci a Woj num seminário sobre educação, no Singularity University. Estiquei a estadia no Valley, trocamos contatos e me interessei em saber tudo sobre seu sistema. Jamais fui educador, tampouco, apenas curioso e procurador de problemas.

Nossos maiores problemas são nossas maiores oportunidades de negócio.

 

Bruno Pesca tem até curso superior, mas tudo feito a moda antiga. Não reparem.

WojPic
Esther Wojnicicki é professora-celebridade

 

 

 

 

6 respostas para “Aprendendo a procurar problemas”

    1. Obrigado.

  1. Avatar de amaston luiz davila
    amaston luiz davila

    bom dia , li seu post através do Geraldo Samor, apenas uma pergunta , conseguistes patrocinio? o empresariado fala em educação mas na hora de a contribuir , nada
    abs

    1. Não. Se ficar muito atraente aparece, mas pedir é o exemplo da mentalidade fora do lugar pela qual muitos embriões não se desenvolvem. Abs!

  2. Avatar de Joao ricardo mendes
    Joao ricardo mendes

    Melhor artigo que li sobre educação. Parabéns.

    1. Valeu, amigo!

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